Não há produtividade sustentável no trabalho sem saúde mental, dizem especialistas
A atualização da NR-1, norma que estabelece as diretrizes para a gestão de segurança e saúde no trabalho no país, representa uma mudança significativa na forma como as empresas devem lidar com os riscos ocupacionais.
Pela primeira vez, a norma passa a exigir que os riscos psicossociais (como assédio, sobrecarga, isolamento, metas abusivas e falta de escuta) sejam obrigatoriamente incluídos no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das companhias, ao lado dos riscos físicos, químicos, biológicos e ergonômicos.
Para especialistas como a jornalista Izabella Camargo e a CEO da plataforma de aprendizagem corporativa Scaffold Education, Sara Hughes, mesmo com a ampliação da abrangência da prevenção trazida pela atualização, a atualização não será suficiente se as lideranças das empresas não mudarem a forma de pensar o trabalho e a gestão de pessoas.
Esse tema foi abordado na última quinta-feira (26), durante o Scaffold Roadshow em São Paulo, evento promovido pela empresa para que líderes empresariais discutissem a saúde como estratégia organizacional.
Riscos invisíveis
Izabella, que atua na promoção da saúde mental nas empresas, vê na nova NR-1 uma oportunidade concreta para tornar o ambiente corporativo mais inteligente, seguro e sustentável. Segundo ela, este é o momento ideal para identificar melhorias que mantenham os níveis de produtividade.
“Na prática, é uma grande oportunidade para as empresas reconhecerem ‘pontos cegos’ que podem levar a melhorias nos processos, garantia de resultados, engajamento dos funcionários, redução de adoecimentos, afastamentos e problemas na reputação”, afirmou em entrevista ao InfoMoney.
Ela defende que os riscos psicossociais devem ser tratados com o mesmo rigor dos demais riscos já mapeados desde a década de 1970. “Um dado é um fato, não um problema – e pode ser uma oportunidade se houver o entendimento de que riscos psicossociais são tão nocivos e custosos quanto os físicos, químicos, biológicos e ergonômicos”, destacou.
Para as especialistas, o primeiro ano da atualização será de caráter educacional, sem fiscalização ou multas para as companhias que ainda não se adaptarem. O momento atual é importante para coletar dados e entender, de forma sistêmica, como está a saúde mental dos colaboradores nas empresas.
Sara Hughes entende que o mais interessante é encarar a atualização da NR-1 como uma oportunidade de investimento, pois o cuidado coletivo – tanto de líderes quanto de colaboradores – é fundamental para a operação da companhia. Ela ainda destaca: “gente feliz é gente produtiva”.
Passo a passo
A norma estabelece um ciclo: mapeamento, análise e plano de ação. Izabella destaca que o uso de ferramentas para realizar cada etapa é importante, mas o impacto real vem da capacidade de interpretar os dados com responsabilidade.
“Uma ferramenta pode ser vendida em qualquer lugar, mas o manuseio da ferramenta e o que você vai fazer com os dados faz toda a diferença”, afirmou.
Ela ressalta que a análise precisa ser coletiva: após a pesquisa, os líderes podem identificar áreas com excesso de demandas, falhas de comunicação ou comportamentos assediadores. A partir disso, devem agir com letramento ou medidas corretivas.
“O plano de ação será fundamental para reduzir as consequências dos riscos mapeados”, explicou.
Ponto de partida
Para Sara Hughes, o maior erro que as empresas podem cometer é tratar a parte regulatória como mera obrigação fiscal. A norma deve ser vista como uma aliada para melhorar produtividade, inovação e cultura organizacional.
A especialista reforça que não há motivos para resistir à mudança ou sentir nostalgia dos métodos do passado. “O contexto mudou, o que era viável antes não será mais daqui para frente”, disse ao InfoMoney.
A CEO da Scaffold destaca a importância de usar dados que muitas empresas já possuem, como absenteísmo, pedidos de demissão voluntária e afastamentos. Mas não basta reunir as informações; é preciso envolver as lideranças na leitura dos dados e no desenho de soluções.
“A norma precisa ter participação. A primeira participação tem que ser dos líderes. E para quem tem medo disso, talvez seja necessária uma readaptação da cultura”, afirmou.
Além disso, a escuta ativa tornou-se palavra-chave nas organizações. Porém, segundo Sara, ela só funciona se houver preparação prévia, que inclui orientar as equipes sobre as mudanças, explicar o que será feito e criar ambientes de confiança.
“Se houver uma conversa sem essa preparação, a mudança e a orientação para a empresa enfrentam dificuldades. É muito difícil ter uma escuta ativa, pois as pessoas não falam”, explicou.
Ela defende o uso de trilhas de aprendizagem, treinamentos práticos e exemplos que mostrem o que é uma cobrança saudável, o que é microgerenciamento e como diferenciar falhas de comunicação de falhas de capacitação, pois “isso ajuda no mapeamento de riscos para preparar a empresa para melhor produtividade e, obviamente, melhores resultados.”
Produtividade com propósito
Izabella e Sara defendem que não existe produtividade sustentável sem saúde mental. Se pessoas felizes produzem mais, elas podem alcançar níveis maiores no trabalho quando estão em ambientes que oferecem cuidado e acolhimento.
“Há um ambiente propício para pedir ajuda? Pode pedir treinamento? Tem apoio dos líderes? […] Felicidade é produtividade. Propósito traz foco”, disse a CEO.
Sara Hughes reforça que os KPIs podem ajudar os profissionais a entenderem seu próprio caminho de crescimento dentro da empresa, e que esse alinhamento entre cultura e desempenho deve ser tratado como um objetivo estratégico.
Segurança psicológica
Um dos pontos mais sensíveis da nova NR-1 é a oportunidade de tirar a segurança psicológica do campo das intenções e trazê-la para a prática cotidiana das empresas. Sara vê isso de forma direta e sem rodeios: “Segurança psicológica não é um tema ‘soft’. É parte da infraestrutura crítica de qualquer organização que quer inovar, prevenir falhas e reter talentos”.
Porém, ela ressalta que não se constrói confiança somente com campanhas; é preciso ser aliado da coerência – ou seja, uma conexão clara entre o que a liderança fala, faz e permite.
“Mais do que uma mudança regulatória, o que essa nova abordagem da NR-1 pode deixar como legado é uma virada de chave na forma como as empresas enxergam a gestão de riscos, saindo de uma lógica punitiva para uma cultura de aprendizado contínuo”, concluiu.
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